

Por José Luiz Adeve**
Muita chuva. Os efeitos climáticos cada vez mais intensos. Não sou urbanista, mas trabalhei 11 anos ao lado deles e também de educadores e especialistas em educação. Percebi que a imbricação das duas ciências, urbanismo e educação, pode interromper uma lógica de estruturação de cidades contaminada por especulação imobiliária, gentrificação e segregação, oriunda de um planejamento centralizado, de cima para baixo, em que ausente permanecem as comunidades e a sua devida qualificação, ou seja, é fundamental a imbricação do conhecimento de quem vive nos territórios com o poder público, o investimento social privado, numa couatoria para melhorar as condições de vida, principalmente, de quem convive com a escassez.
Levado e alimentado por todos nós, para o litoral norte do estado de São Paulo, um modelo similar de constituição das grandes cidades, o qual nem pode ser chamado de modelo, onde o estatuto da cidade, a lei orgânica do município, o Plano Diretor, importante instrumentos para constituir territórios e, consequentemente cidades sustentáveis, ficam somente no papel, mais uma ocupação da terra, onde é nítida a realidade de duas cidades: a a cidade dos ricos e a cidade dos pobres.
Sendo assim, a territorialidade e todo o aparato voltado para redução das desigualdades ficam em segundo plano, reservando para os mais pobres uma cidadania consentida, ou seja, uma ínfima estrutura social. Já, os mais ricos, instalam-se onde a terra é mais cara, infraestrutura mais adequada à sua presença em períodos específicos do ano. Aliás, muitos dos casarões, estão em área irregular, se observamos a legislação de ocupação do solo, que determina que as praias pertencem à marinha e ao poder público, ambos tem soberania sobre elas. Isso somado à uma especulação imobiliária que vitima aqueles que lá estavam muito antes da chegada dos que se instalaram por lá, bem depois, sendo que a maioria dos registros de propriedades, na beira do mar, é no mínimo duvidosa.
Quando me refiro à cidadania consentida, é aquela em que a população que passa a ocupar as áreas de risco, os mais pobres, ganham do poder público, regularizações e alguns parcos equipamentos públicos, no caso do litoral norte do estado de São Paulo, escassos. A cidade consentida seria como se o estado fosse uma espécie de deus – estado que oferece o mínimo e sempre prioriza as áreas onde estão os mais ricos.
Precisamos que o atitudinal do poder público, como também da iniciativa privada e demais agentes públicos e privados, considerem que essa forma de ocupação da terra, das praias, das margens dos rios, das áreas de mananciais, das encostas de serra é, na mairoia das vezes, fruto de ações que tem como pressupostos: o lucro dos especuladores, o empurrar para os lugares de risco os que trabalham para a parte rica da cidade, do bairro ou da Vila, e as irregularidades, que não são apuradas, daqueles que constroem imensos empreendimentos de frente para o mar e alimentam, ainda mais as desigualdades.
É fundamental que passemos a implantar processos de construção de territórios de direitos, respeito à legislação, tendo a educação como motor – criativo para arregimentação, principalmente dos que tem seus filhos na escola pública, daqueles que moram nos sertões e montanhas lá na Barra do Saí, Juqueí, Cambori, Boiçucanga, Maresias e tantas outras praias, bairros de um São Sebastião flechado pela desigualdade, pela especulação e um modelo perverso, advindo da especulação imobliária, desfrutada pelos mais ricos, enquanto que aos mais pobre fica reservada ás áreas das encostas e de risco.
Assim, após assistir um telejornal, ouvir jornalistas apressados em, não só, comentar, mas dar as suas propostas bem – intencionadas, percebo que precisamos trabalhar processos coautorais, voltados à participação, sobretudo na educação, inserindo também nos conteúdos e, nas estratégias de aprender e ensinar, o currículo vivido, uma geografia voltada à estudar e entender como os territórios foram ou podem ser constituídos, desde o seu simbólico, sua história, suas transformações, isso tudo com planos que precisam ser pensados pela sociedade civil, consequentemente as comunidades mais afetadas, apresentando, tanto ao poder público, como ao investimento social privado, medidas e estratégias de uma pedagogia da igualdade – socioespacial a ser um vetor importante no planejamento urbano.
Fiz parte de um projeto em que crianças, jovens e adultos, junto com o poder público e o investimento social privado pensaram e agiram para a melhoria do lugar onde viviam. Alguns avanços aconteceram naquela comunidade da Zona Leste de São Paulo, algumas intervenções para a melhora do bairro, praças, coletor tronco, acessibilidade, mobilidade urbana, a implantação de um conselho gestor comunitário e uma dinâmica a indicar e legitimar uma dinâmica de territorialização das decisões da cidade e do orçamento públicocom potencial para tecer, entre os territórios – jardins, vilas e bairros – de uma região, pontos de fortalecimento da democraica participativa, no entido de descentralizar a gestão da cidade. Isso leva tempo, mas precisamos iniciar essa forma de caminhar.
Para tanto, é necessário que repensemos o que fizemos com as nossas cidades e que tenhamos, o apoio do poder público e que o investimento social privado, ao entrarem nessa roda com suas energias, não interrompa dinâmicas e ações abruptamente, pois trata-se de um trabalho que demanda, além de investimentos, tempo. Tempo este definido, principalmente, por quem convive com a escassez e adversidades, advindas de um modelo desigual de cidade que apresenta, de tempo em tempo, um custo altíssimo: vidas.
Há mais de 20 anos, a Associação Celebreiros, de São José dos Campos, percebe e trabalha as potências dos territórios e, atualmente, desenvolve projetos como “Jovem em Ação – Sustentabilidade” apoiado pela Petrobrás, a Plataforma EducomLab (formação de professores e educandos da rede pública) e, iniciará em breve, o Projeto Cidade Adentro – TVE-Cria, todos com propósitos comuns: a participação cidadã, uma educação voltada para a redução das desigualdades e a compreensão da necessidade de pensar a territorialização e o fortalecimento das comunidades, para que possamos construir políticas públicas de baixo para cima, em processos participativos que observem a equidade e a redução das desigualdades.
** Radialista, educador, músico e poeta, atualmente Vice – Presidente da Associação Celebreiros